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15 maio 2009

A PULSEIRA
(Daniel Oliveira)



- Qual o seu problema? – pergunta a atendente do hospital.

- Bom, não sei ao certo, parece que quebrei os dedos – disse, segurando a mão direita com um ar apalermado.

- Sente-se que a doutora logo irá examiná-lo.

Porra, agora fico aqui umas duas horas para passar por um exame que não durará dez minutos. Mas me sento. E espero.

O banco duro de plástico se molda à minha agonia. O lugar estava lotado de pessoas, reduzidas a trapos humanos pela dor e pela espera. A alegria ali era artigo raro.

Olho para frente, um cartaz. “Classificação de Risco”. Fico ansioso para saber o meu. Cinco cores correspondem a cinco períodos de espera. Os mais graves primeiros, como na guerra. A guerra brasileira.

Vermelho, atendimento imediato. Um cara do meu lado espera sobre uma maca improvisada. Até onde posso ver, leva três balaços na perna. O que poderia ser mais imediato do que isso, três balaços na cabeça? Ele tem uma pulseira laranja no pulso. Consulto o cartaz. Dez minutos. Contando os vinte que cheguei, começo a desconfiar da minha cor.

Amarelo. Sessenta minutos. Olho em volta, estico o pescoço até onde posso ver. Nada. Nem uma pulseira amarela. Meu pessimismo aumenta.

Pulo a seguinte e passo para a última, a fim de estabelecer o teto máximo do meu possível risco. Azul. Duzentos e quarenta minutos. Ai meu Deus, que não seja uma lesão tão leve!

Verde. A cor da maioria. Por alto, noventa e nove vírgula alguma coisa, excetuando o rapaz que sangra pelos três orifícios rubro-negros. Todos verdes. Cento e vinte minutos oficiais. Quatro horas pela minha experiência de “cidadão”. Sou chamado. Entro. Sento-me em outra cadeira, agora fria, de metal. Tem cheiro de álcool. Tudo tem cheiro de álcool e desinfetante. Tiro a camisa, trocamos algumas palavras, ela anota alguma coisa. É jovem. Termina. Saio e volto a me sentar na cadeira dura de plástico. Espero.

Sou novamente chamado. É estranho ouvir meu nome tantas vezes no mesmo dia. Enfim, ganho minha pulseira. Passaram-se duas horas. Verde.

Passo mal, pergunto onde é o banheiro. O guarda patrimonial me acompanha. Penso em dizer alguma coisa sobre roubar o papel higiênico, mas tenho que vomitar. No banheiro, o cheiro do desinfetante é duas mil vezes mais forte do que no consultório.

Passo correndo em frente a um espelho. Paro. Não posso crer. Não é possível. Não me vejo, sou nada, transparente, apenas a pulseira verde permanece, resplandecente, cada vez mais verdejante, um risco contínuo, uma quimera.

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