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17 dezembro 2009

META A LÍNGUA

(Alexandre Campinas)


''Lasciate ogni speranza voi ch'entrate''

(Dante Alighieri)


- Tenho que lhe prender até o fim. Os seus olhos estão grudados e continuarão. Em cada palavra, em cada linha. É daqui que você espera. O crime, a redenção, o ensinamento, a revolução. Espera até mesmo o inusitado. Há algo que vou contar. Algo que quer saber. Você deseja isso e eu vou lhe conduzir.

Era uma sentença definitiva.

Pessoa é o protagonista. Uma pessoa que saiu da situação confortável na qual se encontrava para um mergulho no insólito. Tudo ia bem até que aquilo acontecesse. Um texto. Página ofertada como puta na janela, como promoção relâmpago de supermercado. Irresistível. Curiosidade excessiva. Pessoa tinha essa compulsão de leitura. O texto estava ali. Ao alcance de qualquer pessoa e Pessoa sequer poderia imaginar o engodo no qual se meteria.

Uma armadilha. Tecida com calma pelo verdugo. Como se trançasse fio por fio com o cuidado extremado que impedisse uma evasão. A fuga, exatamente, de Pessoa. Atrativo. Provocante. O verdugo sabia que Pessoa (não qualquer pessoa, mas Pessoa) viria. E não conseguiria resisti-lo. Era como se o verdugo – de nome provisório Verdugo, até que a identidade verdadeira seja revelada – tivesse armado a arapuca para Pessoa. Isso ! Verdugo queria Pessoa. Na trama daquele tecido, Verdugo desejava mais do que tudo que Pessoa se embrenhasse. Cada vez mais. Sem saber o que o esperava, mas tendo a noção exata de que algo inacreditável, porém paradoxalmente desejado acontecesse. Era um dédalo. Pessoa sabia ter final, sabia existir uma saída, entretanto o caminho era um aguilhão verrumando a cabeça.

Verdugo tinha uma intenção primária, bem definida: desestabilizar Pessoa. Desesperar Pessoa. Para isso a pessoa deveria sentir-se parte da trama, co-responsável por ela. Poderia tê-lo feito de qualquer forma. Preferiu O Texto. Era assim que Verdugo referia-se a obra: O Texto. Daí a sentença inicial, ora repetida:

- Tenho que lhe prender até o fim. Os seus olhos estão grudados e continuarão. Em cada palavra, em cada linha. É daqui que você espera. O crime, a redenção, o ensinamento, a revolução. Espera até mesmo o inusitado. Há algo que vou contar. Algo que quer saber. Você deseja isso e eu vou lhe conduzir.

Um crime, aquele texto. Povoado de mistérios que iniciavam-se nos nomes dos próprios personagens, como que propositalmente. O prenúncio de uma incursão sofrida. E era disso que se tratava em O Texto: um crime. Várias palavras formavam frases precisamente conexas. A conectividade interativa propondo e exigindo resposta imediata do raciocínio de Pessoa. Um parágrafo fazia ligação com o outro e estimulava que qualquer pessoa, sobretudo Pessoa, os ligasse e se ligasse a eles; inexoravelmente.

Pessoa não resistira. E qual pessoa poderia ? Deixou-se tomar como virgem desejosa de atenções. Um pato. Embarcou no enigma com a soberba esperança de decifra-lo. Era o retrato da própria viagem humana na proposição da Esfinge edipiana: nascendo com O Texto, caminhando com O Texto, envelhecendo com O Texto. Era a plenitude da realização do intuito desconcertante de Verdugo.

O nome já estava indelevelmente bordado naquela teia. Bordado em ponto-cruz: P E S S O A. O Texto fizera sofrer, retivera a propriedade da pessoa, jogara com Pessoa. Agora, por fim, exaurido de todas as possibilidades, resolvido, desvencilhava-se dos hermetismos e ofertava-se, impudico, jactando-se da vitória:

Você entrou e saiu. Por Minha vontade fui seu verdugo. Você, pessoa minha, entretanto, não me meta a língua: eu persegui você, que me desejou.

O Texto foi o meio.