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27 maio 2006


ESTRELA CADENTE


O sedan importado deslizava suavemente na grande avenida da minha cidade. Na madrugada, com chuva fina e ar-condicionado gelando dava gosto ouvir o Sinatra cantando MY WAY. Combinava. Complementava o cenário. Nos meus quarenta anos eu me sentia como um astro: A câmera fazendo um travelling em semi-círculo, lento, saindo de uma porta em direção a outra passando pela frente do carro.

Foi uma bela noite. O restaurante sofisticado da zona sul, repleto. Quarenta anos. Um sem fim de brindes. Champanhe francês e uísque doze anos, salmão defumado ao molho de amêndoas e batatinhas sauteé.

Eu estava cheio. De vida.

Amigos, parentes, esposa linda e perfumada, filho esperto e inteligente demais para os seus seis anos. Inesquecível.

Tudo ia de vento em popa. Negócios excelentes, casa de veraneio na região serrana, umas amantezinhas sem importância a quem eu presenteava com uma corrente de ouro aqui, um anel de pedra semi-preciosa ali, gargantilha acolá, coisa pouca. Prazer rápido. As influências políticas davam-me confiança para ir a frente cada vez mais. Charutos, antes holandeses ou dominicanos (que nunca fumei porcaria, nem nos tempos de dureza) agora belos havanas.

De tudo isso eu me recordo hoje enquanto cato guimbas pela calçada e esmolo a bebida do dia. “Vai trabalhar, vagabundo !” É mais um insulto que engulo, empurrado pela aguardente barata que já nem queima mais a goela. No começo eu sentia descer ardendo até provocar o refluxo ácido e doído lá do estômago. Hoje não mais. Ainda tenho estômago ? Ou isso também caiu em desuso, atrofiado, utilizado apenas quando tenho pesadelos com as mesas de antigamente, de lagostins e cavacas ?

Ainda uso o paletó antigo. Rota lembrança do que foi outrora um belíssimo corte italiano. Fico esperando que um companheiro de infortúnio me aborde a qualquer momento e pergunte: “Como vai, caro colega ?”

O tempo de estabilidade foi curto. A mosca azul envenenou meus dias. Penso: poison (eu sabia bem o francês). Por ganância associei-me a um mega-empresário e deputado. Um negócio de importação muito precioso: “ilegal narcotics”, digamos assim (eu sabia o inglês também).

A grandeza do sócio acabou por sobrepujar-me. Eu, que sempre mandei, diante da desproporção da sociedade passei a obedecer. Nem eu entendia o porquê mas fato é que sentia-me inferiorizado. Daí para as facilidades do álcool e das drogas foi um pulo. Uma descida rápida, comum a todos esses casos.
Obviamente a Maria Cristina descobriu a história das amantezinhas desimportantes que alcançaram descomunal importância na hora da partilha das poucas coisas que ainda não havia colocado em nome dela. Burro. Pato. Foi um litígio fácil. Para ela. O garoto, que então percebi nunca ter estado verdadeiramente próximo a ele, mostrou-se mais esperto do que eu me ufanava. E, agora rapaz, ficou ao lado da força. Com Maria Cristina e o deputado. Sim, o mesmo.


Agora olho para o céu e a vejo passar. Ajoelho e formulo aos brados o meu petitório. Passa um casal de namorados na pracinha da periferia. Ele interrompe as juras de amor entremeadas de solicitações sensuais que sei estar fazendo, pois o percebo na rigidez de seus bicos sob a javanesa o quanto sua nuca e colo se arrepiam, olha para mim e comenta com ela: “Bêbado imbecil. Fazendo pedido para bala traçante...” e seguem para o pipoqueiro.

Estou cheio, da vida.


“And now, the end is near;
And so I face the final curtain...”

Um comentário:

Anônimo disse...

Já ensaiei um monólogo com história semelhante, "NAQUELA NOITE, HAVIA UMA MULTIDÃO NO SOLAR". Começa assim: "Eu sou a maravilhosa baronesa de Z..." E ela, uma catadora de lixo, relembra a noite da festa em que seu marido foi assassinado. Fazia parte de uma peça composta por algumas esquetes, a POÉTICA URBANA.

Lindo texto. A beleza, na arte, pode (deve?) chocar...

illalessa@hotmail.com