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30 abril 2006


TEXTO ATRIBUÍDO AO RUBEM FONSECA
(Casa da Maite - Site Erótico)

Em texto inédito , Rubem Fonseca conta uma insólita experiência, que deu o que pensar, vivida durante a gravação da série Mandrake, baseada em seu personagem.

"Fui assistir à filmagem do último episódio da série Mandrake, produzida pela Conspiração, baseada no personagem que aparece em vários dos meus livros, notadamente A grande arte, e que será lançada pela HBO em outubro. O episódio referido origina-se do conto Dia dos namorados. Um sujeito sai procurando prostituta na Avenida Atlântica e acaba levando para um motel o travesti Viveca. Ao perceber isso, ele se recusa a pagar e recrimina o travesti. A motivação desse indivíduo, um homem casado, é ambígua. Talvez ele soubesse que era um travesti e na hora tenha se arrependido, o fato é que o travesti pega uma gilete, diz que vai se matar e começa a golpear o braço.

Mas eu dizia que fui assistir à filmagem de O dia dos namorados. Eu já presenciara outras filmagens. Todo mundo sabe que sou um cineasta frustrado e que tudo que é ligado a cinema me interessa: direção, fotografia, som, montagem, mixagem, a interpretação dos atores, e, evidentemente, o roteiro. Gosto de ver uma filmagem, ver o diretor em ação, o fotógrafo, os atores, e os assistentes de direção, principalmente os terceiros assistentes de direção, quase sempre mulheres, melhor seria dizer meninas, tão jovens elas são. É um trabalho duro, que exige atenção permanente, resistência física e talento, sim, também talento, e que é recompensado com uma pequena menção nos créditos do filme.

Nesse dia o trabalho da terceira assistente exigia uma atenção redobrada, pois a filmagem estava sendo feita na rua, com um monte de curiosos em torno. Mesmo assim duas mulheres se aproximaram para olhar a movimentação que ocorria antes da ordem de "ação" do diretor. Perguntaram, "qual é a novela?" Quando respondi que não era uma novela de TV e sim um filme, elas perderam o interesse e se retiraram. (Isso merece um texto à parte).

Conversei com todos ou quase todos os membros da equipe e os atores. Uma tenda de maquiagem tinha sido improvisada numa rua lateral menos movimentada e dela surgiu, usando um vestido feito de clipes de metal, Viveca, a estrela do episódio, uma mulher alta, bonita, talvez excessivamente carnuda. Ao seu lado estava Marcos Palmeira, o protagonista da série. "Este aqui é o pai do Mandrake", disse Marquinhos, apresentando-me à estrela. "Ele é o criador de todos nós", disse Viveca, "tira uma foto comigo". Ela apanhou uma câmera digital e pediu a alguém da equipe que fizesse uma foto nossa. Agarrou o meu braço e carinhosamente grudou em mim seu seio criado pelo engenho e arte humanos.

Depois alguém me perguntou, "você que não gosta de tirar foto com ninguém, tirou com o travesti?" Respondi, "tirei exatamente porque era um travesti, um homem que saiu do armário e enfrenta a discriminação gritando desesperadamente. Pelo mesmo motivo que me levou a dar apoio explícito ao projeto de lei da Marta Suplicy, legalizando a união civil entre homossexuais". Se há uma coisa odiosa, é a discriminação, de qualquer tipo.
"Por que alguém se torna um travesti", indagaram.

Por que uma pessoa assume uma identidade indefinida sexualmente e não reconhecida socialmente? Freud passou ao largo disso em Totem e tabu. E a simplória visão psicanalítica do complexo de Édipo, entre o desejo de penetrar sua mãe, ou de ser penetrado pelo seu pai, não esclarece o problema. Muita gente tem escrito sobre o assunto, abordando os aspectos médico, ético, jurídico, psicanalítico, do transexualismo. Volta e meia surge a explicação da "mulher fálica".

Talvez os transexuais sejam iluminados pela sabedoria de Tirésias, essa figura da mitologia grega que, como punição, foi transformado pela deusa Atena em mulher. Tirésias permaneceu mulher durante sete anos, ao fim dos quais voltou a ser homem. Quando lhe perguntaram o que era melhor, ser homem ou ser mulher, ele respondeu que era ser mulher, pois os prazeres do amor eram melhor fruídos pela mulher do que pelo homem. Isso nos remete a uma série de perguntas. O transexual, então, desde cedo, sabe misteriosamente que será mais feliz e verdadeiro como mulher do que como homem? Mas como operar esse milagre, como superar os obstáculos físicos sem os recursos da cirurgia, entre nós denominada de "cirurgia de transgenitalização", e sem o socorro de hormônios? A primeira operação conhecida ocorreu na Dinamarca, em 1952, e depois disso não se sabe quantas foram feitas em todo mundo. Milhares, milhões? E mudar de aparência é suficiente?
Obviamente o problema não se resolve com uma simples modificação estética. E a ablação do pênis precisa ser feita? Umas acham que sim, para que nada de masculino reste nelas, outras se recusam a fazer isso, as profissionais do sexo principalmente, pois muitos clientes gostam também de ser sodomizados.

É preciso não confundir o transexual com o travesti e o homossexual. O travesti é um fetichista, pode ser homossexual ou não. O homossexual apenas sente atração pelo mesmo sexo. E o transexual sente uma total inadequação entre a sua anatomia e o seu sentimento de identidade sexual. Mas acho que isso nada esclarece."

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