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05 março 2010

Maldito da Vila

Kinho Vaz lança
primeiro trabalho impresso



O escritor e publicitário Kinho Vaz
sai da virtualidade para trazer
aos leitores
um mundo pelo qual
todos passam e não se dão conta.

Uma realidade bruta que preferimos
não enxergar em nosso cotidiano,
fechados em nossas cavernas.



CONFIRA:

Dia 10 de março

19h - Editora Multifoco

Av. Mem de Sá, 126 - Lapa




IMPUREZA
(Kinho Vaz)


Era noite escura quando a perseguição se deu. Eu arfando na frente, fugindo das garras e dos dentes que me perseguiam. Enveredei pela floresta com todos os sentidos em alerta, quebrando galhos secos e fugindo sem apagar pistas. Correndo e querendo ser alcançado com a mesma força, em total contradição. O hálito doce que me buscava ignorava distância e tempo. Cedo ou tarde estaria misturado ao meu, me submetendo à voraz, felina e definitiva mordida de abate. Senti-me perdido, presa fácil. Animal longe do bando, em território alheio, espreitando desejos que não podiam me pertencer.


A mente roçava na superfície áspera das lembranças, enquanto se esgueirava pelo mato cerrado da realidade. Os lanhos fundos e doloridos na consciência foram inevitáveis. Quanto mais eu corria, mais perto chegava do fim. Parecia estar imitando os sentimentos, que se postavam em círculos entre o querer e o não querer, entre o lutar e o se entregar, entre o certo e o errado. Não havia saída na densa noite sem caminhos. Então eu parei de correr e esperei a hora da luta, fortalecendo minhas esperanças na crença de que a melhor sepultura para um guerreiro é o estômago do inimigo. Aos poucos comecei a sentir no vento o perfume do meu destino. Doce, delicado e inebriante como o aroma de uma fruta exótica.


Sua chegada me encontrou passivo, entregue. Mostrou-se sem pressa de concluir sua conquista. Rodeou-me lentamente, olhos fixos nos meus, diminuindo meu espaço em voltas cada vez menores, cada vez mais próximas, cada vez mais intransponíveis. Essa proximidade me enfeitiçou, me fez acreditar, ser eu, um banquete digno de tal cerimônia. Então percebi que já não poderia ir a lugar algum. Estava preso, cercado, dominado. Pronto para ser devorado em ritual premeditado pelos instintos viscerais que regem a relação entre caça e caçador. Fechei os olhos e abri os braços, preparado para o bote fatal, entregue nas mãos de um destino cruel, mas meigo, quase pueril. Meu corpo entorpeceu à proximidade do seu calor. O respirar ansioso invadiu o meu, fazendo meu coração pulsar em compassos impróprios. Passeou sua língua por todos os meus poros, apetecendo o paladar, apurando os sentidos na visão da refeição servida. Invadiu meus sonhos com um olhar carregado de promessas de menina, me fazendo sentir que aquela era a hora certa para deixar de existir. Só então começou a me devorar, calma e lentamente. Tirou-me os olhos, os ouvidos e a língua com tamanha destreza, que eu mal percebi que os perdia. Passou então a se ocupar do meu juízo, vasculhando, invadindo, dominando a intimidade dos meus pensamentos. Até que finalmente chegou ao meu sexo, fazendo um estrago delicioso. Daí pra frente, já não pude mais ver, ouvir, falar, pensar e nem sentir nada que não fosse voltado para aquela dominação.


Satisfeita, esticou o corpo na torpeza do prazer. Beijou meu rosto e esmagou minha consciência com a única frase que pronunciou:


- Boa noite, Titio. Você é muito gostoso, viu!


Pôs o dedo na boca, abraçou o seu urso de pelúcia e fechou os olhos para dormir.


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