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05 setembro 2008

Os petiscos de Felipe
(Mão Branca)

A moçada divertia-se no bar. Chamavam cervejas, contavam causos, o mais animado era Felipe, havia finalmente comido a vizinha e contava todos os detalhes com gestos. Riam. Era o centro das atenções. Somente Kátia, a vizinha, permanecia calada.

Ele viu, escondida ao fundo, uma conhecida a quem emprestara dinheiro. Sabia que a mulher era carne de pescoço, desvencilhava-se dos compromissos, mentia e difamava para livrar-se de dívidas. Não deveria ter emprestado, mas ela o ludibriara choramingando sobre dores e privações. Era mixaria, não fazia falta, porém o que incomodava era a desfaçatez da devedora. Se não podia pagar, não deveria estar gastando com bebida.

- Oneide! – Gritou ao fim do causo, olharam para ela. – Escondida de mim? – Sorriu. Era carismático. Tinha em si a atenção do bar. Endureceu o cenho e falou ríspido. – Tá pensando que vai me dar o calote? – O clima ficou pesado, muitos silenciaram. A mulher encolheu-se ruborizada na cadeira. Felipe emendou: - Sem trote. Tem minha grana?

Ela gaguejou, respondeu coisas desconexas, tentou se justificar culpando outro alguém, sem explicar como tal pessoa poderia ser responsável, e não ela própria, pela dívida.

- Não tente me enrolar, Oneide! – Cortou Felipe. Risadas ecoaram, conheciam a mulher, uma trambiqueira imoral que se dizia desafortunada, embora possuísse imóveis e investimentos. Tinha o hábito de pegar carona para economizar o carro, de surgir nas casas alheias durante as refeições para filar as bóias, nunca pagava 10% aos garçons, se pagava a conta, pois era comum desaparecer nestas hora. – Tem meu dinheiro?

- Sim. – Balbuciou a mulher. A boca rasgada lembrava a de um baiacu seco na areia. – Vamos até minha casa, lá te darei o dinheiro.

“Ohhh”, gozaram os amigos do rapaz, aplaudindo o pagamento. Seria a primeira vez que alguém resgataria uma dívida com aquela pilantra.

- Quando eu voltar, pagarei a rodada! – Gritou o jovem. “ÊÊÊ”, responderam.

Demoraram quase duas horas. Kátia reclamou durante todo o tempo: “Cadê o Felipe?”, “que atraso”, “onde foram?”, “será que aconteceu algo?”.

Oneide apareceu na porta do bar, um saco plástico na mão e uma expressão indefinível no rosto. Depois diriam ser sadismo, ou loucura.

- O Felipe recebeu o dinheiro e voltou para casa. – Anunciou. Muitos estranharam, ele vivia no bar. – Me pediu para trazer isto. – Levantou a sacola. – São vísceras: fígado, coração... para fazer o petisco da cerveja.


“Grande Felipe”, ouviu-se. “Sempre alimentando os amigos”, murmurou outro. Levaram o saco para a cozinha, limparam e temperaram a carne. Fritaram em pedaços que serviram a todos no recinto.

- Uma delícia. – Aprovou Kátia. – Gostosa como o próprio Felipe. – Os amigos deram risadas e lamberam os beiços satisfeitos.

Durante a semana os assuntos no bar foram as vísceras de Felipe, “saborosas como o próprio”, gracejavam da namorada. Esta, contudo, andava encucada com o sumiço do rapaz.

Surgiu nas redondezas o boato que Oneide havia sido presa. Kátia foi convocada à Delegacia para prestar depoimento sobre a mulher.

– É uma pilantra. – Segredou Kátia ao policial, satisfeita por avalizar a má-conduta da mulher.. – Foi presa por dívida?

- Coisa pior. – Disse o policial. – Assassinato.

- Assassinato? – Tremeu a moça. – De quem?

- Não sabemos ao certo. – O homem consultou uns documentos. – Achamos um cadáver meio enterrado em sua casa. Morto há uma semana.

A moça sentiu vertigens.

- Uma semana?

- Sim. – O homem foi até o computador. – Ainda não fizemos o reconhecimento. – Abriu umas fotos e as examinou. – Era um rapaz. – Fez uma careta. – Foi brutal. Ela o matou com uma pancada na cabeça, depois abriu sua barriga e arrancou as vísceras.

- Vísceras? – Tremulou Kátia.

- Sim, ainda não as encontramos.

A moça esforçou-se para falar. Uma golfada de vômito prendia-se em sua garganta. A voz saiu fina, embargada.

- “Saborosas como o próprio Felipe”.

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