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30 janeiro 2014

papel de embrulhar peixe




PAPEL DE EMBRULHAR PEIXE
(Alexandre Campinas)

 

A colina amanhece. O silêncio é poético, pleno de cantos de passarinhos e galos. A cidade já ferve com seu trânsito belicoso. A colina passa o café, exalando lenha queimada. A colina não enxerga a cidade. A cidade não enxerga a colina; apenas sabe de sua existência. Há uma topografia acidentada no plano geográfico que  reflete o comportamento humano. Uma bruma rápida paira sobre a colina. Adensa a tensão de uma noite calma. A colina não gosta de noites calmas, noites em segredo. Sabe que é prenúncio de muito barulho. A colina sabe que há disputa interna. Treme, mas teme respeitando a ordem geral. Os passarinhos e galos, não. Desconhecem a lei. Menos ainda os cães, pouco dados ao lirismo. Um latido na colina. Uma resposta. Repentinamente, muitos latidos.

Aos poucos, a colina – ao contrário da cidade contida – vai escorrendo pelas encostas, penetrando a cidade que começa em suas faldas. A cidade doi-se com a invasão, mas necessita. A cidade torce o nariz para a colina que a toma pela manhã e torna a recolher-se às suas alturas ao entardecer. A colina é o coração da cidade. Sístole e diástole. Bombeia a força bruta do trabalho básico para que a cidade possa  ufanar-se das profissões que considera mais nobres. Um tiro na colina. A cidade não escuta. Uma resposta. Repentinamente, muitos tiros.

Em pouco tempo, o que era já não é. O poder na colina tem novo dono. As noites voltarão a ser barulhentas com roncos de motos, bares abertos, samba, funk e choro de criança. A colina, agora, já respira. Extra-oficialmente, o poder público já sabe das mudanças. A subida da colina, só agora, enche-se de polícia, rabecões, bombeiros e ambulâncias. O céu da colina recebe o primeiro helicóptero. Vários virão. Virá a mise-en-scène que a cidade tanto gosta para, também, acalmar-se. A cidade saberá, mais tarde, que pode ficar tranquila por tudo aquilo que ela não viu, nem sabia haver acontecido. Um jornalista na colina. A cidade já escuta. Uma notícia que nasce requentada. Repentinamente, muitos jornalistas na colina.

Amanhã, os jornais venderão mais na colina: pertencimento.

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