Sign by Dealighted - Coupons and Deals

06 setembro 2009

3º Lugar no Concurso Literário do Bar do Escritor




ESPELHO

(Alexandre Campinas)



"You're here because you know something. What you know you can't explain – bu t you feel it. You've felt it your entire life; That there's something wrong with the world; you don't know what it is, but it's there, like a splinter in your mind, driving you mad. It is this feeling that has brought you to me. Do you know what I'm talking about?"

(Morfeu para Neo, em Matrix)


- I -

Um excelente espelho, que se diga. Depois do falecimento da mãe, alterara toda a decoração do apartamento, porém a peça permanecera no seu lugar costumeiro, o living da sala. Bom e antiqüíssimo, o espelho. Bem mais de metro por setenta. Puro cristal, cujo bisotado enobrecia o contorno. Por moldura, uma tradicional madeira dourada que nas laterais bifurcava-se: uma parte seguia jungida ao cristal e a outra abria-se em asa para retornar ao corpo principal mais abaixo. Sustinha-se numa espécie de pedestal, ou suporte, todo trabalhado em serralheria belga.

Levantada, dentes escovados e já metida em biquíni, alpercatas, bolsinha de utensílios, barraca e esteira de palhinha, pronta para a praia de domingo, deu uma passadinha pelo espelho, assim como quem não quisesse nada, como quem realmente não se importasse, entretanto ansiosa pela inevitável opinião.

Muito estranha. Era de fato muito estranha aquela figura que o espelho refletia. Onde a jovem de clara pele (com sardas de sol nos ombros) e cabelos ruivos ? Olhou para trás. Nada. Claro que estava só. Tornou ao espelho, porém não se reconheceu naquele senhor de quarenta anos presumíveis, barriga média inerentemente etária, cãs brancas nas têmporas e âncora tatuada no braço. E tinha barba grisalha, cerrada. Definitivamente não era ela.

Com as costas das mãos esfregou os olhos. Fechou-os, apertando com força, aquela força que faz com que apareçam elos em pálida policromia que se esvaecem aos poucos. Atinou que já era hora de retomar o curso de datilografia, telefonar para o Cidinho (ele enviou rosas vermelhas, outro dia, acompanhadas de um convite para passear no Karmann-Guia zerinho), procurar um emprego: talvez com o próprio, afinal ele ia muito bem com sua corretora de seguros. Mamãe sempre fez muito gosto por aquele rapaz cortês e de futuro promissor. Falar em mamãe, já era hora, afinal, de parar de gastar a herança.

Abriu os olhos na esperança de que o senhor não mais estivesse lá. Estava. E piscava para ela. No canto da boca mastigava um palito de fósforos. Presa ao calção, uma carteira de Continental. Ela odiava cigarros. Outra piscada. Vamos ? Onde ? (meus deuses, estou conversando comigo no espelho e eu não sou eu). À praia, brotinho, à praia; não está pronta ? Cobriu o espelho. Vai passar... Vai passar ! Virou as costas, abriu a porta. Antes de fecha-la atrás de si, ouviu: Tetéia !

- II -

Tépida, mesmo após o banho frio demorado. Um copo de groselha iria aplacar aqueles abafamentos. Sentada no sofá, passava um pouco de pasta d’água nas pernas e também nas maçãs do rosto. Pôxa, calor pacas ! A gente derrete, mesmo imóvel. Ligou para o Cidinho: Karmann-Guia. Antes lá fora, com o vento na cara (Cidinho contou: conversível) do que trancada nesta sauna. Sol da tarde bate na fachada até a noite chegar. Amolece miolos. É isso. Miolos. Mamãe sabia fazer miolos deliciosos... Empanava.

Descobriu o espelho, vagarosamente. Com temor mesmo. Nada. Olhou-se e tirou o resto da pasta d’água das bochechas. Como que tentando convencer a si mesma, perguntou Não falei ? Miolos. Roupa leve e sandálias. Meus pés são mimosos. Passou um lenço de seda branca em pois negros sobre os cabelos, pegou a Grande Hotel com a fotonovela que trazia o Cláudio Marzo como galã, suspirando um misto de devaneio romântico e inevitabilidade. Girou a chave. Ouviu. Lindos pés. Virou, ele. Dá uma volta, peixão. Obedeceu. Não demore. Garganta seca. Suor frio. Tremores. Ele.

- III -

Entrou em casa como um siri: de lado e de costas.

Adoro esta bunda. Chega aqui. Foi.

Vira. Virou. Boas ancas, me servem bem. Tira este vestido maria-mijona, não demore tanto ! Deixou escorrer pelo corpo e o contato do tecido, ou Ele, arrepiou sua pele. O busto: tira o soutien. Firmes e grandes. Eu gosto, têm bom tamanho e auréolas inchadas de menina-moça, como me convêm. A calcinha. Hipnotizada. Não gosto ralinho assim. Deixe crescer mais. Passe os dedos. Assim não, porra ! De leve, circular, deixe enrijecer e umedecer.

Vou te contar coisas que nunca soube. Vou te falar na orelha soprada e molhada o que nunca ouviu. Vai ser mordida onde nunca supôs, vai apanhar e arranhar de volta. Vai gozar como personagem do Zéfiro. Venha, minha rameira safada. Foi.

Sustinha-se em uma perna e a outra envolvia a peça. Esfregava-se nas determinações d’Ele. Esfregava-se n’Ele. Fodeu como nunca havia fodido na vida. A delicada pele da virilha em relevo de mordidas atestava o que fora promessa. A marca rósea de dedos espalmados nas nádegas confirmava.

Miolos. Empanados. Empapados d’Ele.

Seu lugar, agora, seria no quarto. Exigência d’Ele. Quero ter você na hora em que eu quiser, falou. Eu aceito, acatou submissa.

- IV -

Cidinho, após o casamento, cuidou de tudo. Gostou do marido não a querer trabalhando. Para que, chuchu ? Você precisa largar as recordações de sua mãe, não te quero triste, benzinho. Quero que compre o que quiser, que decore nosso lar como convier. Foi trabalhar após o beijo na testa.

Entregou-se. Gosto quando o corno sai. Gosto de lhe ver sofrendo pelos chifres dele. É assim que quero. Vai fazer amor com ele vez em quando, recatada. Quanto a nós, vamos trepar todo dia. O dia todo. Quero permanecer no quarto. Agora é suíte, não ? Minha vadia tem uma suíte. Eu tenho uma suíte. Assim foi.

Ela penava a alegria do corno bem-sucedido arrumando a gravata em frente a Ele: virava pra cá e pra lá, recendia Lancaster. Sorria Kollynos. Corretor de seguros.

O corno feliz já foi, ouvi a porta fechar. Venha ! Ia. Abra-se, cadela ! Abria-se. Agora de quatro, vagabunda, quero aproveitar outras opções. Olhava para trás, sentia sobre si o peso das sobrancelhas deliciosamente malévolas e dominadoras d’Ele. Urrava e gozava com o brilho de cristal prateado dos Seus olhos.

Engravidara. Nunca mais, Ele. Tédio que se quebrava apenas quando se masturbava – com dificuldade pelo tamanho da barriga – em frente a Ele. Provocava. Auto-flagelava-se. Inseria objetos. Fazia-se puta, como aprendeu a ser. Nunca mais, Ele.

Primeiras contrações. Água da bolsa. Ligou para o marido avisando. Correu em frente ao espelho. Filho da puta ! Filho da puta ! Filho da puta !

De costas, anda !

Arrepiou-se, levantou a saia apoiando-se no puff. Sentiu a penetração rija dilatando o esfíncter. O líquido seminal quente em suas entranhas. Rebolava ensandecida naquela piroca que esfolava suas carnes. Bafejo quente e cheiro de loção ordinária misturada ao acre do suor. Foi o gozo melhor que teve na vida.

- V -

Voltou da maternidade e correu para o quarto. Nada. Cadê o espelho ? Qual espelho ? O grande, do quarto, que era da mamãe. Nunca vi, sua mãe tinha um espelho ? Olhou esgazeada ao redor. Benzinho, nunca tivemos espelho, apenas o do banheiro. Seu choro só foi abafado pelo do bebê. Benzinho, o neném.

Entrou no quarto do menino. Mijado. Foi trocá-lo. Enquanto via o balançar das perninhas, ela sentiu o peso do pequeno olhar de sobrancelhas deliciosamente malévolas e dominadoras. O brilho de cristal prateado dos Seus olhos.

Sorriu, aliviada.

Hoje teremos miolos empanados para o almoço, como a mamãe fazia.

Você prepara uma groselha para mim ?

Adoro.

-*-

Nenhum comentário: