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02 agosto 2009

Um folhetim, um pouquinho diariamente, Aqui e no orkut, "Bar do Escritor" e "Alterados.com". "Um triângulo no abismo" surgiu à partir de um conto do escritor Kinho Vaz. Alexandre Campinas gostou e pediu para transformar aquele triângulo... num triângulo.

Se o primeiro conto do Kinho Vaz foi um vértice, faria os outros dois. Já publiquei aqui Um triângulo no abismo - Outro vértice. Agora chegou a vez de Um triângulo no abismo - O terceiro vértice (Numa boa). Aí está.

Explicações dadas, ao Triângulo.


Um triângulo no abismo - O terceiro vértice
(Numa boa)


-1-


Aquela manhã era diferente. Que linda alvorada. Tranquila. Confrontava com as rolinhas que passavam apressadas em seu louco despertar em busca de alimento. Eu estava alimentado. Ela dormia profundamente em nossa cama. Tomamos o nosso chá e nos amamos novamente. Beijos e carinhos com a intensidade e emoção como há muito não fazíamos. Acho que valeu a pena. Sim, valeu.


Olhava, agora só, a paisagem das matas do sovaco do Cristo. Que lindo. Tive vontade até de tornar às poesias de um tempo em que era adolescente na Ilha de Paquetá. Quem sabe ? Quem sabe uma nova adolescência germinava em mim ? Uma adolescência como a que eu tive. Que boa recordação. Germinando. Eu. Novamente.


Tanta coisa diferente tomava corpo naquele momento. Toda a novidade que eu sempre desejei, e eu sabia disso, aconteceu num rompante que agora eu tentava administrar em minha cabeça. Afinal, não era esse o meu desejo ? E se porventura (ventura mesmo, eu digo) transformou-se em algo real, palpável, não era isso o que eu queria ? E esse sonho todo ? Não era meu e dela ? E dele ? Aconteceu ?


Pensar que há poucas horas estávamos nós três aqui. No meu... nosso quarto. Selvageria. Doce selvageria. Maravilhosa selvageria. Talvez há duas semanas eu nem falasse aqui dessa forma. Mas hoje... Eu nela, ele nela, ela em mim, nós nela, ela em nós. Assim. Dessa forma e nessa ordem. Parecia um daqueles loucos vídeos pornôs que eu coleciono.


Caramba ! O sono começou a bater. Que noite... Que dia... Que noite ? Que dia ? Minhas pernas adormecem gostosamente. Meus cabelos desalinhados caem sobre os olhos, mas eu preciso falar. Falar de mim, de tudo. De como isso aconteceu. Do bem que tudo isso me fez. Quero falar para ver se consigo compreender... Entende ? Antes de me largar ao sono do qual eu necessito, tenho que falar.


Foi hoje a noite que começou ? Quer dizer ... ontem a noite ? Quando ela apresentou-o como um amigo. E aí bebemos, ouvimos música, jantamos, conversamos, bebemos... Eu fui dormir e, de repente, me vi acordado e enlouquecido. Hipnotizado sobre minha esposa. Ele ali, olhando. Eu gostei dessa impressão. Eu a possuía e ela a mim de forma animalesca. Eu atrás dela, para onde ele me convidou. Ele ali. Como se estivesse esperando a vez... Estava.


Quanta surpresa. Que irracionalidade !



-2-


Eu a tinha visto algum tempo atrás esfregando-se com uma escova de cabelos. Fingi que não vi, mas ela ficou constrangida. Será que foi mesmo ontem quando tudo começou ? Eu fiquei algum tempo fora, em Brasília, advogando. Quer dizer, lobiando um pouco em favor da minha própria banca (como eles necessitam de advogados...), e... também de onda com uma terceira-secretária de gabinete de um deputado do Pará. Uma gracinha. Com aquela carinha deliciosamente redonda como só as do povo do norte. Curvas. Pele morena. Trinta e sete anos. Fruta pão assada na manteiga. Eu sabia o que queria e ela também. Ok: 1 X 1.


Pode ser que tudo tenha começado no dia em que liguei. Telefonei para avisar que teria que ficar mais um tempo em Brasília, que o caso estava complicado, etc. Parece que ela ficou um pouco triste. Acho que percebeu minha mentira. Ou, mais ou menos mentira. Mais mentira porque era para ficar mais tempo com a minha manga-rosa paraense; menos porque ela também tinha um caso com o deputado e, mesmo sendo terceira-secretária, estava quase conseguindo uma entrevista. Daquelas especiais, com charuto, uísque e jantar no Piantella.


Mas ela poderia ter ficado mais do que triste. Ela pode ter ficado puta da vida e resolvido ir à forra. Com qualquer um na rua. Sei lá ! Liguei três dias depois e onde ela estava ? Em Itaipava. Na nossa casa. Sabe-se lá com quem ... Apenas vingando-se de mim. Mas, se tudo isso que aconteceu foi uma vingança dela... Bendita vingança.


Ainda fiquei mais uns dias. Bela, podre, colossal e estonteante Brasília. Trabalhadora sim, Brasília. Estaria mentindo se dissesse que aquele burgo de poder e sedução não mexesse com minha cabeça. Mistérios e segredos. Amor e raiva, que ódio verdadeiro nunca há entre eles. Brasília me excita. Claro, tem a minha paraense. Mas isso não é tudo. Por todos. Pelos carros que passam velozes. Pelas mãos que se apertam e respectivas bocas que cospem de lado. Brasília é mulher. É uma fênix renascendo. Deitada em leito brasileiro, de braços abertos esperando seus amantes.


A paraense ? Esqueça. Em Brasília não há nomes. Nem eu o tenho ... Quer dizer, tenho. Ou não ?


Acordei. Perdi-me em Brasília, mas acordei. Não. Não pode ter sido quando prorroguei minha estadia lá. Antes disso, poucas vezes a encontrei em casa. Telefonava e nada. Também não mandava a empregada dar o recado. Não valia.


Tudo havia sido muito entrosado. Não podia ser acaso ou coisa de pouco. Foi antes de Brasília. Por quê ? Tudo bem... ainda estou meio zonzo. Imagina... Eu, minha esposa e... outro... Ainda por cima, mais novo e com o pau maior. Puta que pariu ! E a forma como se entregava a ele ? Isso era antigo. Eu sabia. Não era culpa minha...



-3-


Seria culpa minha ? O que eu fiz ? Deixei de fazer ? Não, nunca. E sempre fizemos bem. Fazemos tão bem que um dia cheguei a confessar para ela que tinha um sonho erótico de traição. Ela me traindo. Na minha frente ou não ... Que loucur... Isso ! Aí ! Porra ! Caralho ! Aí está onde isso tudo começou. Aí, bem aí. E quem disparou tudo foi o trouxa aqui ... Trouxa ? Que trouxa... Eu estou feliz.


Se eu estou feliz, ela é leve em seu sono e ele se foi, onde está a culpa ? Que culpa é essa ? Para que questionar onde tudo começou ? Para que mitificar o que virá, o que ainda não é ?


É... Eu bem que estou tentando. Mas na minha racionalidade é difícil de encaixar. Não é possível. Então ela não me quer mais ? Precisa de mais um para satisfazer-se ? Mas também... Não fui eu quem deu a idéia, quem sugeriu ? Não, não sugeri, mas também não deixei de sugerir. Que noite extraordinária ! Parece que as sensações formam uma névoa que entorpece a racionalidade. Eu estou com sono. Mas falo.


Falo até o final porque quero entender. Estar pronto para uma conversa séria quando ela acordar. Aí eu, já mais senhor de mim, vou querer saber como ficará. Como ficaremos.


Também quero saber o que ela pensa. Como tudo aconteceu. Tanto sexo. Tanto carinho. Tanto querer. O que levou a isso ? Entender, entender. Que delicia sentir seu sexo molhado em minha boca depois que tudo se acalmou. Suas coxas suadas e marcadas de amor.


Também não. Tudo o que aconteceu não pode ter iniciado quando eu falei naquela fantasia. Era muito carnal para isso. Instintivo. Era como se tudo sempre tivesse sido assim e que nada estava fora do normal. Eu é que estava com loucuras na cabeça.



Comecei a suspeitar e escanear todo o tempo que passamos juntos. Mais de vinte e cinco anos. Mais do que bodas de prata. Mais do que a história de nossa vida. Mais do que nosso casal de filhos, já casados e bem na vida. Era mais. Muito mais.


A coisa estava na origem. Só poderia ser. Aquelas coisas esotéricas de reencarnação das quais ela sempre falou. Devemos ter programado nossos destinos para isso.


-4-


Talvez todos nós, seres humanos, sejamos programados para isso. Como uma fábrica. Em série. Assim como os manufaturados, a grande maioria funciona corretamente. Escondendo pequenos desvios de funcionamento. Ofuscando-os com brilhantes virtudes. Outros são mais expostos. Não funcionam tão regularmente e causam descontentamento. Alguns mais, poucos como nós, somos os que carregamos todos as nuances do manufaturamento. Somos brilhantes e sabemos nos utilizar da loucura do arrebatamento e da compulsividade para agradar a todos. Para nos agradar e sermos felizes. Quer dizer, funcionar.


Então Deus planejou isso tudo ? E isso lá não se chama sacanagem e putaria ? Parece. Óbvio. Se crermos realmente com fé na origem divina e, sendo parte dessa origem ... Deixa pra lá. Metafísico pra caralho...


Mas essa, realmente, derrubou-me. Não sei se deveria falar assim, mas deixou-me de quatro. Tudo bem. Suponhamos que eu compreenda como tudo aconteceu e mais: que tenha achado onde tudo começou. E foi bom e ponto. Maravilhoso. Pra muito lá de bom. Se eu entendo, compreendo e gosto da idéia, por que ficar procurando o porquê ? Aí é que está. Eu concordo com tudo o que houve, mas não posso deixar de querer saber e preocuparme sobre como vai ser assim que ela acordar. Digamos que por mim, tudo bem. E se ela não me quiser mais ? E se ela desejar um mundo novo ?


Será que essa insegurança também é coisa da origem de tudo ?


Cochilei e acordo agora, com ela chamando o meu nome. Pão de forma, manteiga, geléia, queijo, presunto, capuccino, suco... Quanto carinho para me receber na cozinha... Beijinhos e pequenos apertões aqui e ali. Tudo como sempre. Numa boa. Como se nada tivesse acontecido. Ela perguntou:


Amor, já que você ficou tanto tempo fora, por que não tirar uns quinze dias na serra ?


Sem pestanejar, mandei na hora:


Você não gostaria de passar esses quinze dias em Brasília ? Eu lhe mostrarei a magia daquela cidade.


Ela concordou.


No mesmo momento comecei a pensar na minha paraense. Nela e na minha paraense. E eu. Três. Novamente.


Talvez ela simpatizasse com o deputado... Mas aí mudaria a geometria toda.

-*-

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