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16 junho 2007

Birite-se e pense com o velho Buk

O Grito - Hommer Munch

O espremedor de culhões

(Charles Bukowski)


Danforth pendurou os corpos no varal, um a um, depois de passarem
pelo espremedor. Bagley, sentado perto dos telefones pergunta:

- Quantos tem?
- 19. Pelo jeito o dia vai ser bom.
- É, pô, tá com cara. Quantos colocamos ontem?
- 14.
- Legal, legal. Continuando assim, vai ser bom mesmo. O meu grilo é
que a coisa no Vietnã é bem capaz de parar - disse Bagley.
- Deixa de ser bobo, tem muita gente lucrando e dependendo dessa
guerra.
- Mas a Conferência de Paz em Paris...
- Você hoje não está bom, Bag. Quem é que não sabe que eles passam
o dia inteiro sentados, dando risada, recebendo grana pra não fazer
nada e depois indo à noite a tudo quanto é boate? Essa cambada tá
com a vida ganha. A vontade que têm de terminar a Conferência de
Paz é igual à nossa de liquidar com a guerra. Tá todo mundo
engordando, sem se arranhar. Uma verdadeira beleza e se
encontrarem uma forma de chegar por acaso a um acordo, sempre vão
aparecer outras. A terra tá cheia de lugares prontos pra explodir.
- É, acho que vivo me preocupando à toa.

Um dos três telefones da mesa tocou. Bagley atende.
- AGÊNCIA DE EMPREGOS SATISFAÇÃO GARANTIDA. Bagley, às suas
ordens - Fica escutando - É, sim, nós temos um ótimo contador.
Salário? 300 dólares nas duas primeiras semanas, 300 cada, bem
entendido. O pagamento das duas primeiras fica pra agência. Depois
vocês reduzem pra 50 por semana ou põe na rua. Se puserem na rua
depois das duas semanas, VOCÊS é que recebem cem dólares da
gente. Porquê? Ora, que diabo, então não está vendo que a idéia é
manter a rotatividade do negócio? Pura questão de psicologia, que
nem a figura do Papai Noel no Natal. Quando? Sim, vamos mandar
em seguida. Qual é o endereço? Ótimo, perfeito, daqui a pouco ele
está aí. Não se esqueça das condições. Ele leva o contrato. Tchau.

Bagley desliga. Cantarola baixinho, sublinha o endereço.
- Tira um do varal, Danforth. Um bem magro e cansado. Não vale a
pena mandar logo o melhor.

Danforth vai ao varal e retira os pregadores dos dedos de um bem
magro e cansado.

- traz cá. Como é o nome dele?
- Herman. Herman Telleman.
- Xi, que merda, não vai dar. Parece que ainda tem um pouco de
sangue. E o olho também não perdeu toda a cor... acho eu. Escuta
aqui, Danforth, essa sua máquina tá espremendo direito? Eu não quero
que sobre culhão nenhum, todas as resistências têm que sumir, tá
entendendo? Cuida da tua parte que eu cuido da minha.
- Alguns desses caras quando chegam aqui são duros de roer. E você
sabe muito bem que nem todos têm culhão. Não é sempre que dá pra
adivinhar.
- Tá legal, vamos ver este aqui. Herman. Ei filhote!
- Que foi paizinho? - Que me diz de um empreguinho legal?
- Ah, não porra!
- O quê? Não quer um empreguinho legal?
- A troco de que, merda? O meu vellho era de Jersey, trabalhou pra
burro a vida inteira e quando morreu a gente enterrou com todo o
dinheiro que tinha, sabe quanto era?
- Quanto?
- 15 cents. O saldo de uma vida desgraçada e infeliz.
- Mas você não gostaria de casar e ter filhos, casa própria, entrar pra
classe média? Comprar carro novo de 3 em 3 anos?
- Não quero nada com o batente, velhão, ninguém vai me botar em
gaiola de mola. Quero só me espraiar por ai. Tô me lixando pro resto.
- Danforth, passa esse sacana de novo no espremedor e aperta bem os
parafusos!

Danforth agarra o artigo pela nuca, mas não antes de Telleman berrar:
- Vai foder o cu da mãe!...
- E espreme bem TODO ESSE CULHÃO DELE. ATÉ QUE NÃO SOBRE
NADA! Tá ouvindo?
- Tá certo, já ouvi! - reponde Danforth. - merda, às vezes eu acho que
você ficou com a parte do osso mais fácil de roer!
- Deixa esse negócio de osso de lado! Espreme bem e tira o culhão
desse cara. O Nixon é capaz de acabar com a guerra...
- Lá vem você com essa bobagem de novo! Acho que tu não anda
dormindo direito, Bagley. Tem alguma coisa errada contigo.
- É, é sim. Tem razão. Insônia. Fico sempre pensando que a gente devia
estar preparando soldados! Me reviro na cama a noite inteira! Que
grande negócio não ia ser!
- Bag, a gente faz o que pode com o que a gente tem, mais nada.
- Tá certo, tá certo. Ele já passou pelo espremedor ?
- DUAS VEZES, já tirei o culhão todo. Você vai ver.
- Tá legal, traz correndo pra cá. Vamos dar uma olhada.

Danforth traz Herman Telleman de volta. Não resta duvida que está
diferente. A cor dos olhos sumiu por completo e o sorriso é totalmente
amarelo, uma beleza.

- Herman? - chama Bagley.
- Sim, chefe.
- O que é que está sentindo? Ou melhor, como se sente?
- Não sinto absolutamente nada chefe.
- Você gosta de tiras?
- Tiras não, chefe - polícias. Eles são vitimas da nossa maldade, embora
às vezes nos protejam atirando, prendendo, espancando e multando a
gente. Não existe essa história de que não há tira que preste aliás,
polícia, desculpe. Já imaginou se não houvesse polícia? A gente teria
que impor a lei com as nossas próprias mãos.
- E aí, o que ia acontecer?
- Nunca parei pra pensar, chefe.
- Ótimo. Acredita em Deus?
- Ah, claro que sim chefe. Em Deus, Pátria, Família, Tradição. E no
trabalho honesto.
- Puta que pariu!
- Como disse chefe?
- Não. Nada. Agora, escuta aqui, você gosta de fazer serão?
- Ah, claro que sim, chefe! Gostaria de trabalhar 7 dias por semana, se
possível. E de ter 2 empregos se pudesse.
- Por quê?
- Por causa do dinheiro, chefe. Pra comprar TV a cores, carro novo, dar
entrada pra casa própria, pijama de seda, 2 cachorros, barbeador
elétrico, seguro de vida, assistência médica, ah, tudo quanto é tipo de
seguro, educação escolar para os meus filhos, se eu tiver, porta
automática na garagem, roupas finas, sapatos de 45 dólares, câmeras,
relógio de pulso, anéis, lavadora automática, geladeira, poltronas e
camas novas, forração de carpete em todas as peças, donativos pra
igreja, aquecimento central e...
- Tá legal. Chega. Agora, quando é que pretende usar todos esses
troços?
- Não estou entendendo, chefe.
- Quero dizer, se você trabalhar dia e noite ainda fizer serão, que tempo
te sobra pra aproveitar todo esse luxo?
- Ah, esse dia há de chegar, chefe, ele há de chegar!
- E não acha que teus filhos um dia hão de crescer e julgar que você foi
um trouxa?
- Depois de ter me esfolado vivo por causa deles, chefe? Claro que não!
- Maravilha. Agora, só mais algumas perguntas.
- Pois não, chefe.
- Não acha que toda essa escravidão permanente é prejudicial pra saúde
e pro espírito, pra alma, se quiser...?
- Ah, pô, se eu não ficasse trabalhando o tempo todo, ia acabar sentado
por aí, bebendo, pintando quadros a óleo, fodendo, indo ao circo ou no
parque pra ver os patos. Coisas desse gênero.
- Não acha que ficar sentado no parque, olhando para os patos, pode
ser muito agradável?
- Mas desse jeito eu não ganho dinheiro, chefe.
- Tá legal, vá se foder.
- O que, chefe?
- Não, nada. Já sei de tudo o que precisava. OK, Dan, este aqui tá no
ponto. Parabéns. Dá o contrato, pega a assinatura dele, a letra é tão
miúda que nem vai conseguir ler. Acha que somos gente boa. Manda
correndo lá no endereço. O pessoal vai ficar encantado. Há meses que não arrumo melhor contador.

Danforth pega a assinatura, verifica os olhos de novo pra se certificar
se não tem mais vida, põe o contrato e o envelope na mão e
acompanha Herman até a porta, empurrando de leve pra descer a
escada. Bagley simplesmente se recosta na cadeira com um vasto
sorriso de satisfação e fica observando enquanto Danforth passa os 18
restantes pelo espremedor. Seria difícil dizer aonde vão parar todos
aqueles culhões, mas não há que negar, mais dia menos dia, todo homem deixa de ter culhões, os que deixam com maior facilidade
estão rotulados de "casados e com filhos" ou "idade superior a 40".
Assim recostado, enquanto Danforth vai espremendo um a um,
Bagley presta atenção nas conversas:

- É duro achar emprego para um homem da minha idade, ah puxa se é!
Outro canta:
- Oh, baby it's cold outside.
Outro:
- Já estou cansado dessa vida de bookmarker e cafetão, indo sempre
parar na cadeia. Preciso de segurança, segurança...
Outro:
- Tá certo, me diverti feito doido. Agora...
Outro:
- Não me especializei em coisa nenhuma. Todo homem devia se
especializar, não me especializei em nada, o que é que vou fazer?
Outro:
- Já estive em tudo quanto é país - graças ao exército - e sei como são
as coisas.
Outro:
- Se pudesse começar tudo de novo, ia ser dentista ou barbeiro.
Outro:
- Estão sempre desenvolvendo romances, contos e poemas que escrevo.
Que merda eu não posso ir pra Nova York e ficar puxando o saco de
tudo quanto é editor! Não há ninguém com mais talento do que eu,
mas sem pistolão não adianta! Se me contento com qualquer tipo de
trabalho indigno de mim, é por que sou gênio!
Outro:
- Tá vendo como sou bonito? Olha o meu nariz! As orelhas! O cabelo! A
pele! O meu modo de ser! Viu? Tá vendo como sou bonito? Tá vendo
bem? Sabe por que ninguém vai com a minha cara? É porque eu sou
bonito. É tudo inveja. Só por inveja. Pura e simplesmente.

O telefone toca de novo.
- AGÊNCIA DE EMPREGOS SATISFAÇÃO GARANTIDA. Bagley, às suas
ordens. Você o quê? Precisa de um mergulhador? Filha da mãe! Como?
Ah, desculpe. Lógico, evidente, temos dezenas de mergulhadores
desempregados. As duas primeiras semanas de pagamento ficam pra
agência. 500 semanais. Perigoso, sabe, muito arriscado mesmo.
Cracas, caranguejos, tudo mais... algas marinhas, sereias nas rochas.
Polvos. Amarras. Resfriados. É foda, sim. As 2 primeiras semanas de
salário são da agência. Se depois acharem que ele não serve, nós é
que pagamos 200 dólares pra vocês. Por quê? Por quê? Se um
passarinho vem e bota um ovo de ouro na sala da frente da tua casa,
você pergunta POR QUÊ? Pergunta? Vamos lhe mandar um
mergulhador dentro de 45 minutos! Qual o endereço? Ótimo, ótimo, ah
sim, ótimo, é perto do edifício Richfield. Sim, eu sei. 45 minutos.
Obrigado. Passe bem.

Bagley desliga. Já está exausto e o dia mal começou.
- Dan?
- Sim, boneca?
- Me traz um que tenha tipo de mergulhador. Bem barrigudo. Olhos
azuis, um chumaço de pelos no peito, calvície prematura, bastante
estóico, meio corcunda, míope e os primeiros prenúncios, ainda
ignorados, de câncer no esôfago. Qualquer mergulhador é assim. Todo mundo sabe como é. Agora traz um.
- Tá legal, seu cabeça de merda.

Bagley boceja. Danforth desprega um do varal. Traz o infeliz até a
mesa, onde fica parado, de pé. No rótulo se lê "Barney Anderson".

- Oi Barney - diz.
- Bag, onde é que eu estou? - pergunta Barney.
- Na AGÊNCIA SATISFAÇÃO GARANTIDA.
- Pô, estou pra ver dois safados com mais cara de vigaristas do que
vocês!
- Porra, Dan! Qual é?
- Passei quatro vezes pelo espremedor.
- Eu te respondi que tem alguns que são duros de roer!
- Isso é pura conversa, seu burro de merda!
- Quem é que é burro de merda?
- Vocês dois - responde Barney Anderson.
- Quero que você passe três vezes o rabo deste aí no espremedor. - diz
Bagley.
- Tá bem, tá certo, mas primeiro vamos fazer um teste.
- Tá legal. Por exemplo... pede pra este tal de Barney te dizer quais são
os ídolos dele.
- Bom, deixa eu ver... Claver, Dillinger, Che, Malcolm X, Gandhi, Jersey
Joe Walcott, "Grandma", Barker, Fidel Castro, Van Gogh, François
Villon, Hemingway.
- Viu, ele se identifica com todos os derrotados. Assim ele se sente bem.
Tá se preparando pra perder a jogada. Pode contar com a nossa
ajuda. Foi logrado com esse papo de alma e é desse modo que a gente
prende o rabo deles. Alma não existe. É pura cascata. Não existem
ídolos. É tudo onda. Não existe ninguém vitorioso na vida - é pura
cascata, papo furado. Não há santos e nem gênios - tudo não passa de
conversa mole pra boi dormir, conto da carochinha, só pro jogo
continuar. Cada homem se esforça pra sobreviver e ter sorte - se
puder. O resto não dá pra engolir.
- Tá bom, tá bom, já saquei o que você quer dizer! Mas, e o Fidel
Castro? Tava bem gordo na última foto que eu vi.
- Ele só tá durando por que os E.U.A. e a Rússia resolveram deixar o
cara no meio do fogo. Mas vamos supor que, de repente, coloquem as
cartas na mesa? Pra onde é que ele vai se virar? Rapaz, o cacife desse
cara é tão fraco que não dá pra pagar nem a entrada num puteiro
decadente do Egito.
- Vão tomar no cu, vocês dois! Eu gosto de quem eu quiser! - protesta
Barney Anderson.
- Barney, quando o cara não tem onde cair morto, e tá encurralado,
faminto e cansado - ele é capaz de chupar pica, mamica e até de
comer bosta pra poder continuar vivo; ou se conforma ou se suicida. A
raça humana não tá com nada, rapaz, não é flor que se cheire.
- Por isso nós vamos mudar tudo, cara. Aí é que tá o lance. Se já deu
pra chegar na lua, também dá pra limpar a cagada no penico. O mal é
que a gente andou perdendo tempo com o que não devia.
- Você tá doente, garotão. Meio barrigudinho. E começando a ficar
careca. Dan, bota aí o distinto em forma.

Danforth pega Barney Anderson, bate, torce e espreme, sem fazer
casos do grito, três vezes no espremedor, e depois traz de volta.

- Barney? - chama Bagley.
- Pronto, chefe!
- Quais são teus ídolos?
- George Washington, Bob Hope e Mae West, Richard Nixon, os ossos do
Clark Gable e toda a gente que vi na Disneylândia. Joe Louis, Dinah
Shore, Frank Sinatra, Babe Ruth, os Boinas Verdes, porra, todo o
exército e a marinha dos Estados Unidos e, principalmente, os
Fuzileiros Navais, e até o Tesouro Nacional, a CIA, o FBI, a United
Fruit, a patrulha rodoviária, o maldito departamento de policia de Los
Angeles em peso, e os tiras locais também, aliás disse "tiras" por
engano, quando queria dizer "polícia". Depois tem a Marlene Dietrich,
com aquela abertura no lado do vestido até em cima da coxa, ela já
deve andar perto dos 70, não é? Dançando lá em Las Vegas, fiquei de
pau duro, que mulher maravilhosa, a boa vida que leva aqui na
América e a estabilidade do dólar são capazes de manter eternamente
a juventude da gente, entendeu?
- Dan?
- Que é, Bag?
- Este aqui tá mais que no ponto! Mesmo pra um cara pouco sensível
como eu, deu pra ficar com ânsia de vomito. Faz ele assinar o
contratinho dele e manda lá no endereço. Eles vão adorar. Santo
deus, as coisas que a gente tem que fazer pra sobreviver! Às vezes
chego a odiar o próprio trabalho que faço. O que não convém, não é,
Dan?
- Claro que não, Bag. E assim que despachar esse cara de cu, eu tenho
um presentinho pra você - uma dose daquele velho Tônico, tão
gostoso.
- Ah, mas que bom..... qual é mesmo?
- Só meia volta na manivela do espremedor.
- O QUÊ?!
- Ah, não tem nada que se compare pra acabar com as tristezas ou
idéias inconvenientes. E outras coisas no gênero.
- Será que cura de verdade?
- É melhor que aspirina
- Tá legal, vê se livra do cara de cu.

Barney Anderson é despachado escada abaixo. Bagley levanta da
cadeira e vai ate o espremedor mais próximo.

- Essas coroas - a West, a Dietrich, ainda de tetas e cochas de fora,
porra, que coisa mais sem pé nem cabeça, já estavam nessa quando
eu era criança. Como é que pode?
- Tapeando . Esticando a pele, os músculos, por meio de cintas, de
talcos, de refletores, de forros de carne, enchimentos, cremes, palha e
esterco são capazes de deixar a avó da gente com cara de broto?
- A minha já morreu.
- Mesmo assim são capazes.
- É, é sim, acho que você tem razão.

Bagley vai para perto do espremedor.
- Só meia volta na manivela. Dá pra confiar em você?
- Tu não é meu sócio, Bag?
- Claro que sou, Dan.
- Há quanto tempo a gente trabalha junto?
- 25 anos.
- Então tá, quando eu digo MEIA VOLTA , É MEIA VOLTA mesmo.
- E o que é que eu faço?
- Enfia a mão no cilindro, mais nada. É que nem a máquina de lavar a
roupa.
- Ali dentro?
- É. Tá pronto? Oba!
- Ei, cara, não esquece. Só meia volta.
- Lógico, Bag, não confia em mim?
- Agora? Que remédio?
- Andei fodendo tua mulher escondido, sabia?
- Seu miserável filho da puta! Eu te mato!

Danforth deixa o espremedor ligado, senta atrás da mesa de Bagley,
acende um cigarro, e começa a cantar:

Lucky, lucky me,
I can live in luxury Because
I ve got a pocket full of dreams...
I got an empty purse,
But I own the universe,
BecauseI've got a pocket full of dreams...

Se levanta e se aproxima do espremedor e de Bagley
- Você falou meia volta - Bagley reclama - e já foi volta e meia.
- Não confia em mim?
- Mais do que nunca, não sei por que.
- E, no entanto, andei fodendo tua mulher escondido.
- Ah, acho que não tem importância. Já estou cansado de foder ela.
Todo homem cansa de foder sempre a mesma mulher.
- Mas o que eu quero é que você queira que eu foda a tua.
- Bem, eu pouco tô ligando, só não sei exatamente se quero que você
foda.
- Daqui a cinco minutos eu volto.

Danforth se afasta, senta na poltrona giratória de Bagley, põe os pés
em cima da mesa e fica esperando. Gosta de cantar e canta:

I got plenty of nuthin
And nuthin s plenty for me
I got the stars, I got the sun,
I got the shining sea...

Depois de fumar dois cigarros , volta pra junto da máquina.
- Bag, ando fodendo tua mulher escondido.
- Ah, eu quero que você foda, cara! É só o que eu quero! E sabe do que
mais?
- O quê?
- Acho até que gostaria de ver
- Lógico, que dúvida.

Danforth vai ao telefone e disca o número.
- Minnie? É, Dan. Vou até aí pra gente foder de novo. Bag? Ah, vai
junto. Ele quer ver. Não, ninguém tá bêbado aqui. Apenas resolvi
encerrar o expediente por hoje. Já fizemos tudo que tinha pra fazer.
Com o negócio entre Israel e os árabes, e toda essa guerra na África, ninguém mais precisa se preocupar. Biafra é uma palavra muito
bonita, mas como te disse, a gente está indo pra aí. Quero comer o teu
cu. Essas bochechas gordas que você tem, puta que pariu! Sou capaz
também de comer o Bag. Acho que as bochechas dele são maiores que a tua. Fica aí quietinha, paixão, que a gente tá a caminho!
Desliga. Outro telefone toca. Dan atende. - Vai te foder, seu sacana de
merda! Até a ponta dos teus mamilos fedem que nem bosta mole de
cachorro quando tem vento oeste.

Desliga e sorri.Vai até Bagley e tira ele do espremedor. Trancam a
porta do escritório e descem os degraus juntos. Quando chegam na
calçada, o sol está alto e de boa cara. Dá pra enxergar pela
transparência da saia justa das mulheres. E quase se adivinham os
ossos. Há morte e podridão por tudo quanto é lado. Estão em Los
Angeles, perto da esquina da 7º Avenida com a Broadway, o
cruzamento onde os mortos esnobam os mortos, sem saber por que.
Uma brincadeira que qualquer um é capaz de aprender, feito pular
corda, dissecar rãs, mijar na caixa de correspondência ou bater
punheta no cachorro de estimação, os dois cantam:

We got plenty a nuthin
And nuthin is plenty for we...

Chegaram de braço dado na garagem do subsolo, encontraram o
Cadillac 69 de Bag, entram no carro, cada um acende um charuto de
um dólar, Dan no volante, saem dali, quase atropelam um bêbado que
desce a calçada da Pershing Square, viram na direção oeste, rumo a
pista em alta velocidade, a liberdade ao Vietnã, ao exército, é foda, às
vezes extensões de gramado, estátuas nuas e vinho francês, a Beverly
Hills ...
Bagley se abaixa e abre a braguilha de Danforth, que continua
dirigindo.
Espero que deixe um pouco pra mulher dele, pensa Dan.
É de manhã e não faz muito calor em Los Angeles ou talvez já seja de
tarde. Verifica no relógio do painel de instrumentos - os ponteiros
marcam 11 e 37, a hora exata em que chega ao orgasmo. Aumenta a
velocidade do Cadillac. 130 km por hora. O asfalto desliza no solo
como os túmulos dos mortos. Liga a TV do painel, depois pega o
telefone e aí se lembra de fechar a braguilha.

- Minnie, eu amo você.
- Eu também te amo, Dan - retrucou ela - aquele vagabundo tá contigo?
- Tá bem do meu lado, acabou de encher a boca.
- Ah Dan, não desperdiça.

Ele solta uma gargalhada e desliga. Quase batem no crioulo que dirige
um carro-socorro. Não é negro coisa nenhuma, um tição e mais nada.
Não há melhor cidade no mundo pra quem está numa boa, e só uma
pior pra quem já dançou - o grande Danforth aumenta a velocidade
para 140. Um guarda de moto sorri quando o carro passa feito raio.
Talvez ligue depois para Bob, de noite. Bob é sempre tão engraçado.
Os 12 caras que escrevem para ele têm o dom de bolar grandes
piadas. E Bob tem a naturalidade de uma bosta de cavalo incrível.
Joga fora o charuto de um dólar, acende outro, aumenta a velocidade
do Cadillac para 150 e sai chispando no sol que nem flecha, os
negócios e a vida correm a mil maravilhas, e os pneus rodam em cima
dos mortos, dos moribundos e dos futuros defuntos.

ZUUUUUUUMMMMMMM!


3 comentários:

Aline Santos disse...

o.O
simplesmente o.O

Unknown disse...

Fantástico

Sinto meus culhões totalmente esmagados pela máquina da sociedade. Salve o velho Buk, que morreu com seus culhões intactos (ou pelo menos não tão espremidos)

Alexandre disse...

É por isso que vale a máxima dos Menudos... não se reprimam...