(Mão Branca)
O casal comprou azeite no primeiro mercado que fizeram depois de casados. Quando foi usá-lo, Jorge se surpreendeu:
- Você é canhota?
- Não. – A esposa comia salada.
- Então por que furou a lata do azeite ao contrário?
- Contrário?
- Sim, você fez furos na diagonal inversa da tampa. – Serviu-se do azeite virando a lata para frente com dificuldade. – Tá vendo? – Trocou a lata de mão. – Com a mão esquerda fica fácil. Os buracos estão do lado contrário.
Ela percebeu a diferença e concordou que a lata serviria melhor aos canhotos. Ele abocanhou satisfeito uma garfada de tomate.
- Não bata o garfo nos dentes. – Pediu Rebeca. – Me causa gastura.
- Desculpe.
Jorge foi à cozinha atrás de azeite para a lentilha. Havia comprado uma nova lata. A grande surpresa foi quando percebeu que já estava com furos. Ao contrário.
- Querida, você furou a lata de azeite ao contrário novamente.
- Foi? – Ela nem se virou. – Sem querer.
- Eu sei. Preste atenção na próxima, por favor.
Ela continuou sem se virar, mas levantou os olhos quando ele levou o garfo à boca.
- Rebeca! – Falou com um tanto de raiva na voz. – O buraco do azeite tá ao contrário!
Ela sustentou o abridor de latas no ar.
- Então por que você não veio fazer os furos? Só sabe reclamar.
- Você não me chamou. Poderia me deixar furar a próxima?
- Claro.
Jorge sentou-se para a janta. O casamento estava horrível, eram distantes, surgira a tão falada barreira entre eles. Mesmo que a aparente tranqüilidade do casal sugerisse conforto, no fundo ele achava que estava representando um papel: o de marido desprezado. Ela fazia todas as suas vontades contanto que fossem convenientes, porém quando encasquetava com algo, não havia conversa nem opinião adversa. A dela deveria prevalecer. O buraco do azeite era o exemplo perfeito. Bastou um dia ele pedir para que o buraco fosse do lado inverso da lata para ela incitar o mais íntimo dos confrontos, o da força de vontade. Quem cederia primeiro, ela ou ele? Se ele perdesse a paciência e ao menos gritasse, sabia que ela retornaria com tantas pedras fosse capaz de ter guardado durante os sete anos do casamento. Se ele pedisse mais uma vez que ela atentasse para os furos no azeite, deixaria claro quão ele era bundão, um verdadeiro frouxo nas decisões do casal.
Mas se ela se cansasse de provocá-lo com o azeite, ah, ele venceria. Como poderia fazer isso? Nunca fora dado a essas intriguinhas ridículas.
Serviu-se de salada e jorrou azeite por cima, sem muita dificuldade, já se acostumara aos buracos ao contrário. Preparou o garfo com alface, cebola e tomate e o levou a boca.
- Chega! – Gritou Rebeca, batendo as mãos na mesa. Talheres voaram. – Não agüento mais! – Apertou os olhos e apontou para Jorge. – Você faz de propósito. Sete anos e você continua me provocando. O que quer? O que ganha com isso? Você é um monstro! – E mergulhou a cabeça nas mãos num pranto sofrido.
- Tá louca, mulher? – Foi a reação de Jorge. – Do que você tá falando?
- Canalha, sádico, desprezível. – Balbuciou.
- Por que, Rebeca, por que?
- O garfo nos dentes. Não bata o garfo nos dentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário